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21 dezembro 2025

Atrás das ligações desportivas galaico-portuguesas

Nos primeiros tempos da revista “Mundial”, davam-se privilégios de capa aos jogadores portugueses que militavam em outros campeonatos que não o português, basta relembrar que o N.º 1 foi atribuída a Luís Figo.
À época, não eram assim tantos os futebolistas que andavam lá por fora e, numa das reuniões da redacção onde se discutia qual seria o próximo a merecer honras de capa, saltou o nome de Helder Cristóvão, que se tinha transferido do SL Benfica para o Real Club Deportivo La Coruña. No entanto, a província galega podia dar pano para mangas em termos desportivos, uma vez que, simultaneamente com Helder, também havia Naybet, o marroquino que também se tinha transferido do Sporting CP para o emblema corunhês e as oportunidades únicas de entrevistar um jogador de origem portuguesa, mas que nunca tinha actuado intramuros, de seu nome Corentin Martins e, ainda, o treinador John Toshack, que tinha orientado o Sporting CP há praticamente uma década atrás. A juntar a tudo isto, surgiu a ideia de que também se podia entrevistar o hoquista Rui Lopes, que patinava no Liceo Deportivo La Coruña.

Ora como o que se proponha era um trabalho de alguma envergadura, começámos a sussurrar entre nós que, bom, bom, era irmos os três. Até então, sempre que havia uma deslocação ao estrangeiro, ia sempre um jornalista e o Correia para as fotos. Só havia um óbice: convencer o administrador Paulo Ferreira. Com paninhos quentes, abordámos o assunto e, após alguma hesitação, ele anuiu com a ideia. Boa, pela primeira vez iam dois jornalistas da “Mundial” fazer uma reportagem conjunta!Dito isto, contactámos o jogador e, com carro alugado e hotel marcado, iniciámos viagem, apenas eu e o Gonçalo, porque o Correia já lá estava. A-1, Valença, Tuy  e autopista do Atlântico até à cidade corunhesa.

Ficámos instalados num hotel junto ao porto e, como o encontro com o Helder tinha ficado agendado para o dia seguinte, decidimos ir ao casino, que era perto, tentarmos a sorte nas slots, mas com um acordo: jogamos até ficarmos a zeros. Como seria expectável, começámos a ganhar e, como seria ainda mais esperado, começámos a perder. Ao zero, abandonámos a máquina e, quando nos aprestávamos para regressar ao hotel, damos de chofre com uma cara conhecida: José Mourinho, então olheiro do FC Barcelona e adjunto de Bobby Robson. Não estranhámos assim tanto, porque jogo da próxima jornada seria precisamente entre o “Depor” e o clube catalão, mas ele não nos viu e mós fingimos que não o tínhamos visto – mas saímos do casino às gargalhadas.


Invariavelmente, o dia começava por tomarmos o pequeno-almoço num café em frente ao hotel, consultando os jornais do dia, com mais atenção à “Marca”. E foi aí que surgiu a ideia, copiando uma página do jornal madrileno, de fotografar o jogador em vários perfis de corpo inteiro e, depois de serem recortadas e a seguir coladas, surgiam as letras a formar o nome Helder a ilustrar a página de abertura da entrevista.


No dia seguinte, fomos ao encontro de Helder nas bancadas do estádio Riazor, onde o interlocutor se mostrou sempre bem-disposto e com uma ou outra confidência…

- Vocês já foram aos balneários?

Dissemos que não e ele acrescentou:

- Então é melhor não irem…  Aquilo não tem condições nenhumas.

- São assim tão más?

- Xiii, se são! Não percebo como este clube, que investe tanto na compra de jogadores, não faça obras para ter um balneário decente. Ou, então, era eu que estava mal-habituado em Portugal!


Finda a entrevista, fomos ter com Rui Lopes ao pavilhão do Liceo, onde, entre outras coisas, garantiu que tinha ido para a Corunha por motivos financeiros e por representar um dos melhores clubes de hóquei em patins da Europa.

Mas ainda houve outra entrevista que não estava no guião inicial: o presidente do clube, Augusto César Lendoiro. Perguntámos como e onde o pedrámos encontrar e as respostas que obtivemos foram desarmantes: “Simples, basta irem ao gabinete dele”. E assim foi. Explicámos à secretária o que pretendíamos, ela pediu-nos uns minutos e, pouco depois, disse-nos que podámos entrar. Encontrámos um homem sorridente que nos foi explicando os projectos que tinha para o clube e quais as razões de sucesso do Deportivo. Por acaso, tínhamos levados alguns exemplares da “Mundial”, uma das quais com João Vieira Pinto na capa. Lendoiro sorriu, apontou para a foto…


- Sabem, este, com muita pena minha, não vem. Mas é o jogador que eu mais queria trazer para a equipa.

Num dos dias em que andávamos a cirandar em redor do estádio, vimos, por mera casualidade, o treinador John Toshack e rapidamente o abordámos para solicitar uma entrevista, mas o galês atalhou-nos as palavras:

- Vocês são do Porto ou de Lisboa?

Dissemos de onde éramos e ele retorquiu:

- Bem, nesse caso, tudo bem.

No entanto, apenas conseguimos sacar algumas palavras que não deram para fazer uma entrevista formal. Pena.


Nas pausas entre a marcação das entrevistas, ainda fizemos uns curtos périplos pela cidade: a Torre de Hércules, obviamente, as fachadas envidraçadas na marginal, a praia e um vislumbre da ría. E foi num desses passeios, já à noite, que a fome começou a apertar. Procurámos um restaurante e olhámos para um que nos pareceu bem. Entrámos e aquele que   aparentava ser o dono cumprimentou-nos:

- Bienvenidos al Prada a Tope!

Perguntámos qual o significado daquela frase o homem, dono de um bigode hirsuto, explicou com entusiasmo na voz:

- É uma expressão que utilizamos muito na minha terra. Sou de Ponferrada, na região de El Bierzo, e abri aqui este restaurante para dar mostras da comida leonesa.

O espaço era muito acolhedor, de estilo rústico, na decoração e na madeira das mesas e dos bancos corridos. Aliás, gostámos tano que ainda lá voltámos mais uma vez.  As especialidades eram nacos suculentos de carne grelhada, mas o que me ficou na memória foi a entrada: umas setas (cogumelos) grelhadas e de generosas dimensões – semelhantes, apenas degustei algo igual num parque de campismo em Salamanca, uns bons anos mais tarde.



As noites, após o jantar, eram passadas no hotel a redigir a reportagem para adiantar serviço, mas que de pouco serviu para o objectivo, sobretudo para o Gonçalo: como na altura os portáteis eram uma raridade, levámos uma máquina de escrever elétrica, eu fiz a minha parte, mas, quando chegou a vez dele, a fita acabou, para sua grande irritação. Ou seja, tinha de escrever à posteriori, já em Lisboa. E eu fingi que tive pena dele…

Além das entrevistas, o nosso maior aliciante era o jogo na véspera da nossa estadia na Galiza, entre o “Depor” e o “Barça”. Não ficámos na bancada de imprensa, só nos arranjaram bilhetes no meio dos inchas locais, e ficámos tão entusiasmados com o ambiente que nos rodeava que, quando demos por nós, estávamos a gritar “De-por-ti-vo, De-por-ti-vo!” Nada contra o FC Barcelona, mas, já que estávamos na Corunha, naquele dia e àquela hora, fomos adeptos do Depor.

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