Voltei
mais vezes à Holanda e em curto espaço de tempo. Um ano depois da primeira
viagem, novamente num estágio de pré-época, no mesmo local, quase com os mesmos
jogadores, mas com um treinador diferente: Carlos Queiroz.
Do
que retenho, além dos treinos e do conhecimento dos arredores, foi um passeio
de carro em dia de folga até ao norte. E das multas de excesso de velocidade, que
são de tirar um português que se preze do sério: fui autuado porque ia a 103km/h,
quando o limite era 100 km/h. Os holandeses são muito rigorosos. Irritantemente
rigorosos.
Bem,
voltemos ao passeio, que teve passagem por Amesterdão e para a exploração de
barco pelos seus canais, e uma incursão a essa fantástica obra de engenharia
que é o Grande Dique – através do qual a Holanda conquistou território ao mar
–, e ainda por Groningen e Arnhem. Aqui, a visita a dois belos espaços: o Museu
ao Ar Livre, que é uma reprodução fiel dos tempos de antanho naquela região,
seja em termos arquitectónicos seja no modus
vivendi da população local, as suas tradições culturais e costumes; e o Jardim
Zoológico, que me impressionou – além dos animais –, pelas inúmeras espécies vegetais
que abriga.
O Grande Dique (Afsluitddijk) |
Museu ao Ar Livre de Arnhem |
Jardim Zoológico de Arnhem |
Mas
vida dá muita volta, e lá tive de voltar à Holanda. A última vez foi em 1996 e,
apesar de ainda ser dentro da área desportiva, foi de âmbito um tanto ou quanto
diferente. Na altura, não havia tantos futebolistas portugueses a actuar lá
fora como nos dias de hoje, e os holofotes incidiram sobre uma jovem estrela
que tanto prometia mas, que, ao mesmo tempo, parecia encarar o futebol
meramente como um hobby – mais que
isso, nunca conseguiu descolar a etiqueta de playboy. Certo é que Dani acabou por sair do Sporting e rumar à
Holanda, para representar o histórico Ajax, e sempre me convenci que seria o
clube ideal para singrar na carreira de futebolista: o emblema de Amesterdão
tem regras, tem história e a fama e o proveito de possuir uma das melhores
escolas de formação do mundo. A sua contratação foi extremamente mediática e
foi com o intuito de apresentar aos leitores a sua vida na Holanda que efectuei
a reportagem.
Devido
à sobrelotação dos hotéis de Amesterdão, não tive outra opção que não fosse
ficar instalado em Utrecht, a qualquer coisa como 50 quilómetros da cidade dos
canais e, sabendo-se a quantidade e qualidade das auto-estradas holandesas, a
distância era facilmente vencível. Invariavelmente, passávamos os dias a
assistir aos treinos e foi nesses instantes que nos apercebemos da
extraordinária popularidade do português, sobretudo muito requisitado pelas
jovens locais.
O fabuloso ArenA de Amesterdão |
O
Ajax treinava num relvado ao ar livre ao lado do majestoso ArenA e os
futebolistas tinham de atravessar a pé a curta distância que ia dos balneários
do estádio até ao campo de treinos. Obviamente que todos eles eram requisitados
para autógrafos e fotografias, mas todos se apercebiam quando era Dani: os
gritos, os choros, os chamamentos pelo seu nome sobrepunham-se a tudo e todos,
era uma loucura, quase histeria.
Encostámo-nos
ao corrimão que dava a volta ao relvado e reparámos que a maior parte da tinta
estava rasurada por clips e canetas, e as frases eram elucidativas: “Dani, I
love you”; “Dani I want you”, e múltiplos desenhos de corações a adornar as frases…
E, cada vez que ele tocava na bola, os gritinhos faziam lembrar os concertos
dos Beatles décadas atrás.…
Além
da reportagem em redor de Dani, sempre tivera muita curiosidade em relação à
famosa escola de formação do Ajax e disse-o ao futebolista português. Dani,
então, disse-nos que nos levaria lá, mas que teríamos de ter muita cautela pois
o local era extremamente recatado, mas lá acabou por nos deixar à porta do
edifício.
Entrámos
e começámos a percorrer as diferentes áreas: os quartos, o refeitório, as salas
de estudos, a biblioteca e as salas teóricas de futebol, onde no quadro de giz
estava o sistema táctico do Ajax – era sempre o mesmo, independentemente do
escalão, daí que ele seja bastante assimilado desde os escalões de formação até
à equipa principal. Extremamente elucidativo. Chegámos a cruzar-nos com alguns
jogadores, todos de fato de treino, mas também nos cruzámos com alguém que não
queríamos…
Quando
estávamos de saída, irrompeu de um gabinete um homem extremamente irado,
perguntando-nos com maus modos quem éramos e o que estávamos ali a fazer. Lá lhe
explicámos, mas foi aí que ele ficou furioso: fora de si, aos gritos, disse que
era proibido estarmos ali, que era um local reservado e exigiu que
destruíssemos o rolo de fotografias à frente dele ou que lho déssemos. O Nuno Correia,
que me acompanhava na altura, passou-lhe o rolo para a mão, e só mais tarde vim
a saber que o rolo estava em branco, pois o verdadeiro tinha sido subtilmente guardado
no bolso… Como também viemos a saber quem era tão irascível sujeito: era o
director da escola, de seu nome Co Adriaanse, o mesmo que, anos mais tarde, viria
a ser o treinador principal do F.C. Porto!
As
nossas noites, invariavelmente, eram passadas em Utrecht. E, não sendo uma urbe
muito grande, permitiu ficar com o panorama geral da cidade – que, diga-se,
caiu-nos bastante no goto. Não era demasiado diferente da generalidade das
cidades holandesas que já conhecia, pois contemplava a tradicional praça
central engalanada com uma igreja luterana e numerosas esplanadas, ruas
alinhadas e imaculavelmente limpas, mas, o que realmente a diferenciava, eram
as pontes que atravessam as águas do rio Vecht e o passeio que o ladeava mas
que era metros abaixo das ruas, quase ao nível da água. Todos por ali
passeavam, todos por ali paravam, todos por ali consumiam algumas horas a beber
um copo, a almoçar ou a jantar, porque aquela passerelle que bordejava o canal
estava repleta de cafés, bares e restaurantes. Utrecht tem muito da sua
essência abaixo do nível das ruas. Vive metros abaixo – mas com uma qualidade
de vida muito acima.
As esplanadas à beira-canal de Utrecht |
Bem se vingou o Co Adriaanse uma década depois, quando veio a Alvalade carimbar o título de campeão português...
ResponderEliminarSó falta dizer, e acrescentar, que a culpa é do Correia
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