Translate

06 abril 2015

Holanda (parte I) e o meu primeiro avião

Ainda hoje me parece grotesco, mas a verdade, verdadinha, é que a minha primeira viagem de avião foi em 1992. Após uma efémera passagem pelo “Semanário Económico”, decidi-me pela veia desportiva ingressando no jornal “Sporting”, em part-time a meias com o ensino e onde, ao fim de alguns meses, fui destacado para acompanhar o estágio dos comandados de Bobby Robson na Holanda.


À porta do hotel em Doorwert: Peixe, Nelson, Pacheco,
Juskowiak e Poejo.
 A viagem da Portela para Schiphol decorreu com tranquilidade, com a equipa e o staff técnico a ocuparem os lugares da frente e os jornalistas cá atrás. Era no tempo em que ainda era permitido fumar nas traseiras do avião e foi com alguma surpresa que assisti à vinda de alguns jogadores até aos nossos lugares para confraternizar… e “cravar” um ou outro cigarrito. Admito que, para mim, esta viagem foi bastante excitante e onde tudo era novidade: o passaporte, o aeroporto, o free-shop, a descolagem vendo as casinhas de Lisboa como peças de Lego, o voo acima das nuvens, a descida assistindo aos férteis terrenos agrícolas lá em baixo como geométricas peças de um puzzle, a aterragem impetuosa e a salva de palmas dos jogadores – um ritual frequente nas viagens de avião.
Cá fora, uma vez recolhida a bagagem, respirei finalmente o ar “estrangeiro”. Mais frio e humidade que em Lisboa, uma chuva miudinha e dei por mim a contemplar o meu primeiro carimbo no passaporte
A viagem de automóvel para Doorwerth – o local do estágio, perto de Arnhem – deu para ter uma ideia geral do país: planuras sempre verdes, moinhos a pintalgarem a paisagem e vaquinhas em barda. E deu ainda para constatar uma realidade: a Holanda pode resumir-se a centenas de auto-estradas, pistas magníficas sem portagem e que a cruzam de lés-a-lés mas que, para nós, tem um enorme óbice – as placas de indicações, escritas naquele imperceptível neerlandês, mas onde acabámos por descortinar um significado: Uit (saída). Certo que a língua inglesa é falada pela esmagadora maioria da população, desde jovens de tenra idade até a velhinhos octogenários, mas, quando eles se expressam na língua local, esqueçam… Parece que todos falam com um trapo enrolado na língua, numa cacofonia de expressões guturais em que o som de um R está sempre presente. Os G, aliás, quando estão entre vogais, também ganham o som R. E descobri, até, que Portugal se pronuncia… “Porturral”!


Doorwerth
Nesse estágio, além dos dois treinos diários, eu e o fotógrafo Nuno Correia ainda conseguimos dar umas saltadas às cidades vizinhas. Andámos por Arnhem, Eindhoven, Maastricht e Sittard, entre outras, e rapidamente chegámos à conclusão que as cidades holandesas são todas iguais: muitas vivendas com vidraças de generosas dimensões de modo a captarem o máximo da exígua luz solar, imensos espaços ajardinados, ruas imaculadamente limpas constantemente bordejadas por pistas pedestres e para velocípedes e uma praça central sempre com uma igreja luterana rodeada por cafés e esplanadas com mesas e cadeiras de vime. São todas assim, à excepção de Roterdão e respectivo porto, e de Amesterdão, a cidade sulcada por canais e que é realmente um caso à parte. Pela arquitectura, pelo cosmopolitismo, pelos museus e pelos monumentos – mas também pelas coffee-shops e pelo Red Light District.

Foram duas semanas pelos Países Baixos, com uma viagem de ida e volta de permeio a Lisboa – para quem nunca tinha andado de avião, fiquei logo calejado com quatro voos em quinze dias! –, assistindo a dezenas de treinos, jogos de carácter particular, jantares entre jornalistas, conversas com jogadores e treinadores no hotel onde estava a equipa e mil e uma peripécias. Robson mostrou-se um conversador nato e que rapidamente granjeou simpatia entre os jornalistas e os futebolistas, mas também se mostrou rigoroso e preciso em relação ao que pretendia impor ao grupo de trabalho. E que grupo, diga-se: Figo, Peixe, Paulo Torres, Nelson, Valkx, Capucho, Filipe, Balakov, Cadete, Juskowiak e Cherbakov, entre outros. E ainda, um jovem promissor que dava os primeiros passos… como treinador – José Mourinho.


À saída para o treino: Manuel Fernandes, Valckx, Cherbakov e José Mourinho

Sem comentários:

Enviar um comentário