Translate

09 abril 2015

Holanda (parte II) - ou como os holandeses conseguem ser irritantes

Voltei mais vezes à Holanda e em curto espaço de tempo. Um ano depois da primeira viagem, novamente num estágio de pré-época, no mesmo local, quase com os mesmos jogadores, mas com um treinador diferente: Carlos Queiroz.
Do que retenho, além dos treinos e do conhecimento dos arredores, foi um passeio de carro em dia de folga até ao norte. E das multas de excesso de velocidade, que são de tirar um português que se preze do sério: fui autuado porque ia a 103km/h, quando o limite era 100 km/h. Os holandeses são muito rigorosos. Irritantemente rigorosos.
Bem, voltemos ao passeio, que teve passagem por Amesterdão e para a exploração de barco pelos seus canais, e uma incursão a essa fantástica obra de engenharia que é o Grande Dique – através do qual a Holanda conquistou território ao mar –, e ainda por Groningen e Arnhem. Aqui, a visita a dois belos espaços: o Museu ao Ar Livre, que é uma reprodução fiel dos tempos de antanho naquela região, seja em termos arquitectónicos seja no modus vivendi da população local, as suas tradições culturais e costumes; e o Jardim Zoológico, que me impressionou – além dos animais –, pelas inúmeras espécies vegetais que abriga.


O Grande Dique (Afsluitddijk)




Museu ao Ar Livre de Arnhem
Jardim Zoológico de Arnhem

 Mas vida dá muita volta, e lá tive de voltar à Holanda. A última vez foi em 1996 e, apesar de ainda ser dentro da área desportiva, foi de âmbito um tanto ou quanto diferente. Na altura, não havia tantos futebolistas portugueses a actuar lá fora como nos dias de hoje, e os holofotes incidiram sobre uma jovem estrela que tanto prometia mas, que, ao mesmo tempo, parecia encarar o futebol meramente como um hobby – mais que isso, nunca conseguiu descolar a etiqueta de playboy. Certo é que Dani acabou por sair do Sporting e rumar à Holanda, para representar o histórico Ajax, e sempre me convenci que seria o clube ideal para singrar na carreira de futebolista: o emblema de Amesterdão tem regras, tem história e a fama e o proveito de possuir uma das melhores escolas de formação do mundo. A sua contratação foi extremamente mediática e foi com o intuito de apresentar aos leitores a sua vida na Holanda que efectuei a reportagem.
Devido à sobrelotação dos hotéis de Amesterdão, não tive outra opção que não fosse ficar instalado em Utrecht, a qualquer coisa como 50 quilómetros da cidade dos canais e, sabendo-se a quantidade e qualidade das auto-estradas holandesas, a distância era facilmente vencível. Invariavelmente, passávamos os dias a assistir aos treinos e foi nesses instantes que nos apercebemos da extraordinária popularidade do português, sobretudo muito requisitado pelas jovens locais.
O fabuloso ArenA de Amesterdão
O Ajax treinava num relvado ao ar livre ao lado do majestoso ArenA e os futebolistas tinham de atravessar a pé a curta distância que ia dos balneários do estádio até ao campo de treinos. Obviamente que todos eles eram requisitados para autógrafos e fotografias, mas todos se apercebiam quando era Dani: os gritos, os choros, os chamamentos pelo seu nome sobrepunham-se a tudo e todos, era uma loucura, quase histeria.
Encostámo-nos ao corrimão que dava a volta ao relvado e reparámos que a maior parte da tinta estava rasurada por clips e canetas, e as frases eram elucidativas: “Dani, I love you”; “Dani I want you”, e múltiplos desenhos de corações a adornar as frases… E, cada vez que ele tocava na bola, os gritinhos faziam lembrar os concertos dos Beatles décadas atrás.…
Além da reportagem em redor de Dani, sempre tivera muita curiosidade em relação à famosa escola de formação do Ajax e disse-o ao futebolista português. Dani, então, disse-nos que nos levaria lá, mas que teríamos de ter muita cautela pois o local era extremamente recatado, mas lá acabou por nos deixar à porta do edifício.
Entrámos e começámos a percorrer as diferentes áreas: os quartos, o refeitório, as salas de estudos, a biblioteca e as salas teóricas de futebol, onde no quadro de giz estava o sistema táctico do Ajax – era sempre o mesmo, independentemente do escalão, daí que ele seja bastante assimilado desde os escalões de formação até à equipa principal. Extremamente elucidativo. Chegámos a cruzar-nos com alguns jogadores, todos de fato de treino, mas também nos cruzámos com alguém que não queríamos…
Quando estávamos de saída, irrompeu de um gabinete um homem extremamente irado, perguntando-nos com maus modos quem éramos e o que estávamos ali a fazer. Lá lhe explicámos, mas foi aí que ele ficou furioso: fora de si, aos gritos, disse que era proibido estarmos ali, que era um local reservado e exigiu que destruíssemos o rolo de fotografias à frente dele ou que lho déssemos. O Nuno Correia, que me acompanhava na altura, passou-lhe o rolo para a mão, e só mais tarde vim a saber que o rolo estava em branco, pois o verdadeiro tinha sido subtilmente guardado no bolso… Como também viemos a saber quem era tão irascível sujeito: era o director da escola, de seu nome Co Adriaanse, o mesmo que, anos mais tarde, viria a ser o treinador principal do F.C. Porto!

As nossas noites, invariavelmente, eram passadas em Utrecht. E, não sendo uma urbe muito grande, permitiu ficar com o panorama geral da cidade – que, diga-se, caiu-nos bastante no goto. Não era demasiado diferente da generalidade das cidades holandesas que já conhecia, pois contemplava a tradicional praça central engalanada com uma igreja luterana e numerosas esplanadas, ruas alinhadas e imaculavelmente limpas, mas, o que realmente a diferenciava, eram as pontes que atravessam as águas do rio Vecht e o passeio que o ladeava mas que era metros abaixo das ruas, quase ao nível da água. Todos por ali passeavam, todos por ali paravam, todos por ali consumiam algumas horas a beber um copo, a almoçar ou a jantar, porque aquela passerelle que bordejava o canal estava repleta de cafés, bares e restaurantes. Utrecht tem muito da sua essência abaixo do nível das ruas. Vive metros abaixo – mas com uma qualidade de vida muito acima.


As esplanadas à beira-canal de Utrecht

2 comentários:

  1. Bem se vingou o Co Adriaanse uma década depois, quando veio a Alvalade carimbar o título de campeão português...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só falta dizer, e acrescentar, que a culpa é do Correia

      Eliminar